Minha tia tinha alguns anos de estrada e uma cozinha de móveis antigos de madeira, todas as prateleiras eram recheadas por latas coloridas, potes de temperos e todos os tipos de pimenta que se possa imaginar.
Como era de costume nos verões sua casa ficava cheia de gente, filhos e netos que vinham de outros lugares para comemorar as festas de fim de ano; logo sua cozinha era entulhada de gente e comida.
Escrevo sobre essa cena pelo menos doze anos após seu acontecimento, então é possível que minha memória me traia, que ela reinvente essa narrativa a partir das minhas ultimas experiências.
Como de costume na rua da minha casa as pessoas deixavam as portas das casas abertas, todo mundo que morava ali se conhecia a tanto tempo, fato que me deixava plenamente a vontade para passear de pijamas entre uma casa e outra.
Camiseta de bloco de carnaval vermelha, calça listrada, meias e chinelos, os cabelos nunca eram penteados, então ninguém observava aquilo com espanto. Assim que me levantei fui até a casa da minha tia, ver meus primos e tomar a cervejinha matinal e um licorzinho, afinal era fim de ano. As panelas batiam, a família falava alto, um entrava e outro saia, enfim acabei reclamando de meu coração partido. Minha tia dona de uma cozinha que mais parecia um laboratório de alquimia levantou os olhos por cima dos óculos e disse:
- Não existe apenas um amor, outro irá bater a sua porta!
Confesso honestamente que pensei em maldizer, queria que ela fosse as favas, o que sabia ela, dos meus três anos ao lado de alguém e das borboletas que meu estômago tinha constantemente, que poderia saber sobre minha infinita solidão naquele natal em que não presentearia e nem seria presenteada? Ela não sabia as cores que cresciam dentro de mim, ela nem sabia que tudo que eu desejava era retornar e não ir em frente.
Quatro anos de faculdade, muitas viagens e aquele sentimento foi ficando pequeno, enfim sumiu, queria andar correr em outra direção e só minha tia conhecedora dos temperos, das tintas e telas é quem tinha razão.....
Chovia tanto naquela sexta-feira que não dava para enxergar os postes do outro lado da rua, o diluvio derrubava metade da cidade com trovoadas, mas nós o enfrentaríamos com bravura e bastante bebida.
Músicas do Milton Nascimento, fumaça de cigarro, chuva e filosofia, sabíamos tudo sobre o mundo.
É engraçado que me lembro da posição que as pessoas ocupavam na varanda de uma amiga, lembro que a chuva enfim cessou que eu descia as escadas úmidas para que minha noite encontrasse seu fim provisório, então fechei os olhos...
Não vi as escadas, mas sentia as extremidades do meu corpo formigarem, sentia cada fagulha que explodia naquele quintal, sentia o calor e umidade do ar, mas sequer consegui vislumbrar os braços que me enlaçaram; finalmente escutei as batidas na porta.
Não saberia contar em ordem cronológica o que se seguiu durante três anos, a história se ramificou, criou caminhos, não seguiu linear, foi indo feito passarinhos que voavam de um lado para o outro, daqueles que brincam no céu.
Não sei ainda consigo ver alguma coisa quando me aninho, quando me pacifico ali, não preciso olhar, confio, abri a porta de olhos fechados.
domingo, 29 de maio de 2016
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