terça-feira, 12 de novembro de 2013

Um minuto

Eu costumo olhar pelas grades da janela do quarto, ver a mesma rua, a mesma vizinhança todos os dias pelos losangos que me protegem e me impedem de atravessar a vizinhança, o bairro, o mundo.
Um minuto de coragem é o que me falta para arrancar o que não me permite transpor a caixa em que me enquadro, onde me prendo, um minuto de coragem para mudar.
Quebrar as regras que se impõe pele retângulo feito para olhar e ser olhado com segurança.
E por mais clichê que isso possa parecer a vida passa tão depressa, que não cabe no espaço de uma canção, um dia eu posso piscar ou nem mais abrir os olhos para a vizinhança que acompanhou o crescimento, a rebeldia de butique, o diploma, a vida assalariada.
Eu poderia ter menos de um minuto de coragem para não deixar nada escapar. As rugas dele e dela que tentam transitar por uma existência ainda me parecem distantes, foram sessenta anos de caminhada, vinte e sete almejando por sonhos através das grades que podem sumir dali ou ficar por aí para garantir que medo não só se avizinhe, mas que ele permaneça.
Um minuto para correr da vizinhança, da doença, um minuto para correr em direção a ela, e dizer que eu vou viver.
Nesse momento penso nas rugas da testa, dos óculos e da camisa fechada, no barulho das panelas e na vizinhança que acompanha tudo através da grades verdes dispostas a anos. Um cigarro fumado na madrugada, uma lágrima reprimida, uma esperança fujona e a necessidade de um minuto de coragem para falar sobre a saudade, para dar aquele telefonema, um minuto que agora parece tão pouco, que não permite que a canção termine, um minuto do qual vou sentir falta.
Como da primeira vez que se vê o oceano um minuto que se basta, uma poesia ruim, para não estrangular o mundo que se avizinha o tempo que finda.

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